Planetas em domicílio
Quando se trata de achincalhar a Astrologia Medieval, as dignidades são um dos temas mais usados. Isso porque as pessoas não leram nada a respeito e se baseiam nas interpretações – por diversas vezes, tenebrosas – de quem pratica Astrologia Medieval hoje.
E quem disse que os praticantes estão sempre certos? Julgar um livro por quem o pratica pode ser a pior maneira de se ter uma idéia correta a respeito da obra. É por essas e outras que a Bíblia é um livro tão desprestigiado – porque tem várias pessoas que o praticam de uma forma completamente abominável.
Eu vou tentar mostrar aqui as lendas mais comuns em torno das dignidades, bem como as propostas mais recentes e honestas a respeito de cada uma. Lembrando que eu não faço isso pra passar a mão na cabeça de ninguém.
Quando se tenta suavizar um conceito que é tomado como radical, logo se pensa que o Astrólogo quer se popularizar dizendo aos clientes aquilo que eles querem ouvir. No meu caso, está longe disso. Se as interpretações tenebrosas fossem corretas, não desmentiria nada.
Acontece, porém, na maioria das vezes, que tanto a interpretação tenebrosa quanto a interpretação “prêmio kármico” (esse último empregado pelo astrólogo quando a pessoa tem uma cacetada de planetas domiciliados ou exaltados) não encontram correspondência na realidade. Ou seja, quando o astrólogo usa esses conceitos errôneos, ele não encontra no mapa a vida da pessoa, apenas lê uma fábula.
No final, você vai saber, mas já adianto: em se tratando de astrologia MEDIEVAL ou CLÁSSICA OCIDENTAL (excluindo-se a Jyotisha), o que define se uma coisa é boa ou ruim no mapa, em 90% dos casos, não são as dignidades, mas aposição por casa e o séquito. Ou seja, aquele seu Saturno dentro do séquito na Casa 7 pode até produzir coisas boas, mas com a agonia Saturnina de sempre…
Primeiro mito: planetas domiciliados/exaltados indicam bom caráter ou boa conduta social.
Não preciso me esforçar muito para mostrar que isso é uma bela de uma mentira. Se fosse verdade, não teríamos um assassino como Jeffrey Dahmer, que tem trocentos planetas domiciliados.
Veja o mapa do infeliz e me diga: um astrólogo medieval deixaria que ele passeasse com seu filho? Claro! Com Vênus em domicílio, ele provavelmente tem relacionamentos harmoniosos e saudáveis. Com Marte em Áries, sabe dosar sua agressividade. Com Mercúrio em Gêmeos, pode ser uma pessoa agradabilíssima e racional, certo?
Errado. Esse homem foi condenado por matar cerca de 17 garotos após (ou antes…) de estuprá-los e de comer partes dos seus corpos. Ele pode até ter alguns dos atributos que dissemos anteriormente, mas foi capaz de cometer uma barbárie e, você, na sua inocência astral, sequer chegaria perto disso no julgamento do mapa.
Pausa para o livre-arbítrio (detesto) e o estoicismo (adoro…)
Claro, sempre tem o livre-arbitrarista, que diz algo como “ele teria um ótimo potencial com todos esses planetas domiciliados, mas escolheu o pior”. Antes de você, modernoso, vir com essa conversa, já te aviso: com astrologia, sou estóico – e portanto, todo o conteúdo desse blogue está inclinado para essa vertente filosófica da astrologia, que, convenhamos, não é muito popular nos tempos vigentes, onde a “customização das filosofias” impera.
Simplificando, uma visão estóica da astrologia concebe o universo como um sistema no qual há um Deus engenhoso, que determina tudo e que criou um intrincado sistema, alegria do pessoal das ciências exatas (talvez por isso haja tantos engenheiros astrólogos…).
Portanto, na minha visão, muito já está determinado, restando pouca coisa para o nosso livre arbítrio. Essa é a minha escolha, meu jeito de ver as coisas. Então não perca seu tempo comigo se você discorda, porque não quero te convencer.
Segunda pausa: nem todos os planetas representam a pessoa – ou algo dentro dela.
Uma outra coisa que está implícita nessa visão dos planetas como indicadores do caráter seria considerá-los como representantes de diversas instâncias da pessoa. Mercúrio seria a mente racional, Marte a agressividade, etc.
Não vou mentir: há uma parte da astrologia medieval que vê as coisas dessa forma mas, em geral, essa é uma idéia moderna, e eu desaconselho o leitor a seguí-la, não por ser moderna, mas porque não leva a uma interpretação precisa (afinal de contas, é o que buscamos).
Na maioria do material encontrado nos livros medievais e clássicos, os planetas representam pessoas e situações externas ao nativo, e somente o representarão se estiverem associados ao Ascendente por posição, regência ou aspecto. E mesmo que os planetas domiciliados estivessem associados ao Ascendente, a experiência mostra que pessoas com essas configurações não necessariamente tem bom caráter…
Enfim, como eu acho que a astrologia funciona estoicamente, concluo que interpretar planetas domiciliados como significadores de bom caráter não tem funcionado… O que significaria então?
Enfim, desvendando o mito: planetas domiciliados seriam mais arquetípicos e funcionariam de um modo mais confiante.
Se entendermos assim, então os planetas domiciliados são vistos de uma forma mais compatível com o que assistimos na realidade – incluindo o mapa do cavalheiro supracitado.
“Arquetípico” seria, informalmente, algo como “mais próximo dos clichês associados a sua imagem”. Qual é o clichê ligado a Marte? Agressividade e estratégia de ataque, certo? Qual é o clichê ligado a Vênus? Sexo e música. Quando domiciliado, o planeta fica o mais próximo possível dos seus clichês – e você precisa ser muito bem versado nas propriedades de cada planeta para saber quais seriam.
No mapa de Jeffrey, um marte arquetípico em Áries seria justamente aquilo que esperaríamos de um assassino brutal, pois brutalidade é um clichê marcial.
Outra coisa que funciona é pensar num planeta domiciliado indicando situações nas quais as pessoas seriam mais confiantes, e aqui novamente afastamos o juízo moral, pois um assassino pode exercer seu ofício com tamanha confiança e destreza – talvez o caso do homem acima.
Portanto, se usarmos os planetas em domicílio da forma sugerida, agora os mapas ficam mais verossímeis. Uma pessoa com marte em domicílio na casa 12 pode sofrer muito com seus inimigos secretos, porque a destreza (domicílio) e a brutalidade (clichê de marte) deles serão muito maiores – sendo talvez o caráter desses inimigos longe, muito longe, de ser bom, ao menos para o dono do mapa, que sofrerá horrores com eles.
No próximo post, vou explorar o mito que circunda os planetas em detrimento. Se um planeta em domicílio não indica bom caráter, um planeta em detrimento não necessariamente indicaria o contrário. Marte em Libra gosta de cometer um adultério, mas não é por estar em detrimento! É por uma outra razão, que você não deve perder!
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